Anna Paula do Nascimento é aluna de Comunicação da Faculdade FAFIRE em Recife e Entrevistadora no Mapeamento da Economia Solidária em Pernambuco e nos brinda com estes relatos maravilhosos.MAPEAMENTO DE EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS:
AS HISTÓRIAS ALÉM DOS NÚMEROS
“Você quer ir pra Burrama?”, perguntou-me o motorista da Kombi. “Não, quero ir pra Comunidade Onze Negras”, respondi. “Então, é pra lá mesmo, em Burrama!”, insistiu ele. E, assim, parti para o local de destino para entrevistar, no primeiro de quatro dias, a ocupadíssima representante da Associação de Moradores, Produtores Rurais e Quilombolas Onze Negras, em mais uma tarefa de coleta de dados para o trabalho de Mapeamento de Empreendimentos de Economia Solidária.
Mas participar como entrevistadora num trabalho de pesquisa destes possibilitou não somente lançar mão da utilização de um instrumental técnico para colher informações e dados numéricos a respeito de tantas entidades existentes no estado. Possibilitou-me também conhecer e registrar histórias de vida de famílias, de motivações que, entre outras coisas, culminaram na criação de uma entidade que representasse a comunidade em seus anseios e necessidades. Estas histórias extrapolam as informações a serem coletadas, já pré-estabelecidas no questionário proposto. Confesso, sim, que é a parte que mais gosto deste trabalho, isto é, do contato com as pessoas, de ouvir seus relatos, de como e porquê tudo começou.
E dentre as várias histórias que ouvi, destaco aqui aquela relatada por D. Fátima, Presidente da Associação Onze Negras, começando pela justificativa dos nomes pelos quais a comunidade é conhecida e que também dá nome à Associação.
Segundo a entrevistada, a comunidade Onze Negras remonta aos tempos de seus bisavós e constitui o primeiro povoado da cidade do Cabo de Santo Agostinho, além de ser a primeira comunidade quilombola rural da Região Metropolitana do Recife.
A comunidade é, ainda hoje, também conhecida como “Burrama”, devido a um episódio ocorrido com o pai e o irmão de D. Fátima, durante o trabalho do corte da cana. Ela conta que era bastante criança e as condições de vida eram muito precárias e a sobrevivência era muito difícil. Seu pai e irmãos, assim como os demais moradores, trabalhavam no corte da cana para a Usina Bom Jesus; as mulheres ficavam responsáveis pelos afazeres domésticos, o cuidado com os vários filhos, mas também outros trabalhos pesados, como cortar e carregar a lenha, buscar e carregar água, etc.
Certa ocasião, durante o trabalho, o pai sobrecarregou a burra com os pesados feixes de cana cortados, o que fez com que o animal não agüentasse a carga, caindo ferido e debilitado, impedindo-o de trabalhar durante alguns dias. Causar estas “avarias” no animal era considerado como falta grave e acarretava para o trabalhador um castigo severo e bem peculiar: apanhar bastante na frente de todos, em seguida ser todo lambuzado de mel e, assim, colocado para “o boi lamber” (sic). Quando percebeu que a burra caiu, devido à sobrecarga, o irmão de D. Fátima se desesperou e saiu correndo, gritando “Burrama, burrama, burrama!”. O pai da entrevistada fugiu e passou vários dias longe de casa, escondido, para não sofrer os castigos infringidos aos trabalhadores nestes acontecimentos. Depois de cerca de 4 meses fugido, o pai de D. Fátima voltou, mas sofrendo com as constantes ameaças, abandonou o trabalho da Usina, passando a lidar somente com o trabalho na roça do sítio em que morava com a família.
Já a denominação “Onze Negras” à Associação, como também à comunidade, é derivada de um time de futebol formado pelos irmãos, primos e tios de D. Fátima, totalizando um número de 11 jogadores negros, que, inclusive, segundo contou um dos irmãos da entrevistada e ex-jogador do time, presente neste dia da entrevista, a equipe fez muito sucesso no estado, conquistando vários campeonatos na época.
Posteriormente, a entrevistada, que começou a trabalhar como doméstica aos 11 anos de idade, idealizou a formação de um grupo só de mulheres que pudesse trabalhar em prol da comunidade, sobretudo das mulheres da localidade. Assim, sustentada pelo “sonho” (sic) de ajudar a mãe e pelo desejo de não ter o destino da mesma — muitos filhos, trabalho doméstico pesado, violência sofrida com o marido que bebia muito, etc. —, D. Fátima pensou, inicialmente, num Clube de Mães, mas culminou na concretização de uma Associação, a qual era formada, coincidentemente na ocasião, por 11 mulheres negras.
Assim, a Associação de Moradores, Pequenos Produtores Rurais e Quilombolas Onze Negras existe há 20 anos, conseguindo muitos benefícios para a localidade, sobretudo o reconhecimento formal da comunidade como quilombola pelo Instituto Zumbi dos Palmares.
Um dos grandes benefícios proporcionados pela Associação é o funcionamento de uma creche para as crianças da comunidade, a qual funciona na sede da entidade, com cozinheira e educadoras contratadas e pagas pela Prefeitura local. No entanto, através de uma parceria com o Prorural, será construído um prédio para o adequado funcionamento da creche.
Além disso, a Associação encaminha a documentação necessária para o processo de aposentadoria dos associados (trabalhadores rurais), distribui cestas básicas e produtos agrícolas fornecidos pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB).
Mas segundo D. Fátima, o objetivo principal da Associação é possibilitar trabalho e geração de renda aos moradores da comunidade. Assim, no momento, a Associação encontra-se envolvida com o Projeto Papéis da Vida, no qual são produzidos e comercializados artigos confeccionados em papel e papelão, como também um projeto de horta comunitária, o qual visa a produção e venda de produtos agrícolas dos associados/as.
Mas um dos grandes orgulhos de D. Fátima foi a produção e lançamento de um livro que conta a história da comunidade e da Associação.
Falar dos caminhos e percalços trilhados por um grupo de mulheres até chegar à concretização da Associação é revisitar a história político-econômica e social do estado, de coronelistas da monocultura do açúcar, da exploração do homem pelo homem, escravização, etc. Mas também aponta para perspectivas de forjar uma outra realidade para si e os seus, de forma a poder garantir o direito de viver mais dignamente, com satisfação com o tempo presente e sem medo do futuro. A constituição desta associação por esse grupo de pessoas representa, antes de mais nada, a reação de um grupo de pessoas a um destino aparentemente inevitável para aquelas que além de negras, pobres e oriundas de comunidades rurais, também eram mulheres, isto é, um grupo que, por si só, agrega tantos “signos” das minorias.
Concretizar, portanto, um sonho com a criação de uma associação significou, antes de mais nada, renegar o mesmo destino conferido aos seus antepassados, conseguindo uma vida mais digna e satisfatória para mulheres e homens da comunidade.
Sem dúvida, o caminhar em busca de dias melhores impõe, ainda, muitas dificuldades, mas as conquistas possíveis são reais e irreversíveis e, pelo jeito, este “time” de mulheres ainda promete muitas e muitas vitórias.
Parabéns a D. Fátima, que a partir de um desejo e de um sonho, foi a grande mentora de toda essa revolução. E parabéns também a todos/as da comunidade Onze Negras!!!
Contatos:
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